29/05/2013

Sobre educar em várias línguas


Por Albany Estrela Herrmann*

Muitos casais aqui na Alemanha convivem com a questão da educação bilíngue. Minha tese de mestrado tratou, entre outros assuntos, da forma como algumas famílias (pai ou mãe) que possuem nacionalidades diferentes, criam seus filhos. Uma pergunta que os entrevistados fizeram:
 - Qual é a melhor forma de educar meu filho/a bilíngue? 

Eu fiz uma pesquisa com entrevistas e gravações de crianças de várias nacionalidades aqui no sul da Alemanha. Casais brasileiros e alemães foram o grupo de concentração da pesquisa por causa do limite que me foi imposto. Eu também entrevistei crianças e pais que falam outros idiomas tais como: italiano/alemão, francês/alemão, espanhol/alemão e ainda outros lugares da Europa por puro interesse. 

Com o mundo globalizado de hoje, este é um tema que não podemos deixar de dar a devida importância. A tendência é que falemos cada vez mais idiomas dentro de casa, na escola ou no ambiente de trabalho. Falar outros idiomas requer do falante competências culturais que vão além do mero ensino de estruturas e do aprendizado gramatical. A gramática é uma ferramenta que nos ajuda a aprender e a utilizar uma língua. Nada mais...

Como professora de PLE (Português como Língua Estrangeira) sei que os melhores alunos são aqueles que não se preocupam em primeiro lugar em traduzir palavra por palavra e analisar cada estrutura gramatical apresentada. Os materiais didáticos apresentam determinadas falhas ou às vezes precipitam determinadas coisas, sem perceber que vão acarretar problemas de entendimento posteriormente. Não citarei nenhum livro didático e nenhum exemplo a este respeito. Minha arma contra este tipo de problema é apresentar um material extra/complementar para meus alunos e explicar aonde estão os problemas de entendimento.

Quem nunca pensou assim?

 - Eu era tão bom aluno da língua X na escola e agora não sei falar nada! 

Ou ainda: - Estudei N anos da língua Y em cursinhos particulares e quando preciso falar alguma coisa, não sei nada!!

Primeiro temos que observar como é feito o aprendizado e a manutenção destes idiomas:
  • Como é feita a separação dos idiomas?
  • Em que frequência se usa/pratica estes idiomas?
  • Como é feito o input destes idiomas e por quem é feito?
  • O que fazer quando nos deparamos com rejeição por parte de uma criança?
  • Como reagir quanto à exatidão gramatical? Corrigir imediatamente ou não corrigir esta é a questão!
  • Mudanças no ambiente linguístico por motivos diversos: separação dos pais, novo local de trabalho, adoção, famílias patchwork e de nacionalidades diferentes, mãe solteira e novo relacionamento com um estrangeiro e etc...
Língua materna não se trata necessariamente da língua da mãe, mas sim da primeira língua (L1) adquirida, a língua que a pessoa mais usa e que se sente mais à vontade para falar. Existem pessoas que têm mais de uma língua materna. Existem pessoas que são criadas somente pelo pai ou são adotadas quando bebês por casais estrangeiros e ainda quando a criança nasce em outro país que não é nem o país aonde o pai nasceu, nem o país aonde a mãe nasceu, existem também os bilíngues que são surdos-mudos, existem os bilíngues de comunidades indígenas e etc... Normalmente se define língua materna desta forma, pois nos primeiros anos de vida, é a mãe que na maioria dos casos cuida da criança, fala com ela e transmite o seu saber linguístico. 
Os primeiros contatos linguísticos que fazemos está presente na relação mãe-filho/a. Digamos que nos primeiros 3 anos é que a criança realmente tem a língua materna dentro da “conotação” anterior. Na verdade, a educação bilíngue passa por várias fases, sendo esta a primeira. A segunda fase se inicia no jardim de infância quando a criança começa a se socializar. Nesta fase a mãe perde um pouco do controle daquilo que o filho fala e ouve (pelo menos em termos de aquisição de linguagem), pois a criança começa a fazer as suas próprias escolhas e a usar/copiar o vocabulário de quem ouve: como os outros amiguinhos falam, como as educadoras falam, o léxico de livros infantis quando alguém lê um conto de fadas por exemplo, as letras das músicas cantadas, as peças de teatro nas festinhas, enfim, tudo que eles passam a entrar em contato. A terceira fase é a escolar, muito parecida com a fase do jardim de infância. Nesta fase que perdura praticamente ao longo da vida, o contato é mais amplo e se torna com a aquisicao da escrita e dos hábitos de leitura, totalmente flexível.

Uma coisa é fundamental: a motivação. Eu tenho que saber falar esta língua perfeitamente? Tenho que escrever e ler em outros idiomas? Tenho contato com estrangeiros que falam este idioma como língua materna? Temos que saber respeitar a criança como um indivíduo que também tem as suas preferências! Impor e exigir comportamentos linguísticos pode levá-la ao desenvolvimento de problemas emocionais e até rejeições. 

Muitos casais binacionais na Alemanha não se preocupam com a questão cultural por trás do aprendizado de um idioma. Pude observar que algumas mães não cultivam e nem se interessam em repassar para os filhos estes valores culturais. O resultado é que a própria mãe rejeita o seu idioma materno e passa a falar com o filho no idioma do país em que vive (algumas vezes nem dominam o idioma). Este atitude é copiada pelo filho. O engraçado é que anos mais tarde, quando o saber linguístico já está praticamente cristalizado, elas mudam de opinião e resolvem de um momento para o outro que seus filhos devem falar a L2 (língua adquirida) exercendo uma cobrança de resultados imediatos dos filhos. 

Nos primeiros dez anos de idade a criança tem todos os centros linguísticos abertos (as chamadas janelas cerebrais) e podem realizar até 150.000 conexões neurais sem muito esforço. Aproveitar este ápice cerebral é uma chance que muitos pais não realizam, queixando-se no futuro. É por estas e outras que nós adultos temos que nos dedicar com afinco ao aprendizado de um idioma. A minha dica baseada em minhas observações e estudos para os pais de crianças bilíngues/plurilíngues ou mesmo para você que vive isso no seu dia-a-dia:
- Seja qual for a sua meta, mantenha-se sempre motivado, não deixe de reativar constamente os seus inputs linguísticos. Nosso cérebro funciona por meio de impulsos e precisa de vez em quando de uma manutenção do tipo: 

- Cérebro bilíngue 2.0 reloaded ;-)



P.S.: Dedico este post à Geany, pois sem seu apoio não teria concluído minha tese e minha pesquisa. Obrigada! Imensamente!


* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart,  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.

24/05/2013

Uma brasileira na Alemanha


Por Albany Estrela Herrmann* 
 
Aqui vai uma listinha de curiosidades. Para quem vive entre duas culturas como eu, vai com certeza se ver em algumas das observações que fiz. Brasil x Alemanha, ein Vergleich:


1-Se o trem ou o ônibus atrasa 5 minutinhos, isto já é motivo para reclamar…Imaginem a gente no Brasil que não tem horário-placa no ponto do ônibus e “only God knows - e o fiscal da empresa local - quando o próximo ônibus vai chegar! 

2-Assoar o nariz em qualquer lugar, inclusive, à mesa é normal. E não são nada discretos. Ouvir os sons de um trompete nada agradável e de substâncias saindo de um nariz e indo parar num lenço de papel quando você estava se preparando para abocanhar o seu sanduba preferido...

3-Não existe o hábito de se tomar banho todos os dias ou várias vezes ao dia: - Faz mal para a pele ;.) diria o alemão econômico como desculpa para não tomar banho. Se isto fosse verdade nós (brasileiros) teríamos que fazer, no mínimo, dois transplantes de pele por ano! Ah tá! Faz mal, é?

4-Ciclovias por todo o país. Ciclistas que atropelam todo mundo tipo motorista de ônibus que está atrasado no Rio de Janeiro. Andar de bicicleta na chuva ou na neve ou em temperaturas negativas é normal, pois se economiza gasolina e estacionamento, se evita a poluição do ar e etc... No Brasil ciclovia só em pontos turísticos e olhe lá.

5-Pedestre sempre têm prioridade e os carros param para você atravessar. No Brasil o pedestre obedece ao lema: - Salve-se quem puder! E tem que correr ao atravessar a rua, principalmente em se tratando de transportes públicos. Mesmo se o sinal estiver verde para o passante, o que conta é se o motorista vai passar ou não vai passar. O sinal é puro detalhe!

6-No verão alemão cada metro quadrado de grama nos parques ou praças é disputado a tapas. E encontrar pessoas “trocando de roupa” ao ar livre é normal. Eles odeiam ficar com a roupa de banho molhada. Mas se eu trocar de roupa cada vez que vou dar um mergulho, tenho que levar um guarda-roupas dentro da bolsa? 

7-As saunas mistas aonde mulheres e homens ficam sem roupa juntos é natural. No Brasil a palavra “sauna” significa “suruba” e normalmente quem frequenta este tipo de lugar, morre negando e sem admitir que frequenta.

8-Andar de metrô, trem ou bonde sem fiscalização alguma. Caso você seja pego sem a passagem, a multa é de 40 euros e eles anotam seus dados em um livrinho/cadastro. 

9-Quando se é convidado a visitar alguém, a pessoa que foi convidada leva algum presentinho: um vinho, flores ou alguma coisa qualquer para agradar… No Brasil, a pessoa que convida é quem faz uma torta ou compra alguma coisa especial para oferecer para sua visita.

10-Muitos alemães perguntam se você já esteve na Amazônia, se sabe sambar ou jogar futebol igual ao Pelé. Outra coisa são as perguntas mais que exatas: Quantos metros de altura, peso, estado civil tem o Cristo Redentor? Qual é o nome do tipo de pedra aonde o Pão de Açúcar está e por quê esta pedra e por quê lá? Quantos grãos de areia têm na Praia de Copacabana? Sei lá! Normalmente ninguém sabe ao certo, nunca parou para pensar nisso ou se já soube um dia, esqueceu de novo!

11-Tomar café e chá sem açúcar é normal. Ai, “de amarga já chega a vida”! 

12-Não é comum ter empregada doméstica. No máximo, existe uma faxineira ou diarista. 

13-Todo remédio é obtido com receita médica e é gratuito para crianças de até 6 anos de idade. No Brasil, as empresas farmacêuticas iriam falir com a quantidade de filhos que os brasileiros têm…Se bem que nos últimos tempos diminuiu consideravelmente, mas as nossas estatísticas não mostram resultados tipo: Para cada casal aqui 1,5 filho? Meio filho? Hein??

14-Muita coisa é feita no esquema “Do it yourself”, porque a mão de obra é muito cara. Pintar paredes e montar móveis, renovar coisas e etc… Aprendi a me virar e a fazer muitas coisas sozinha por aqui!

15-Os alemães fazem o número 3 com a mão usando o polegar, o indicador e o dedo médio. Tipo um ET fazendo uma saudação ao pousar na Terra? E o número 1 é o nosso polegar do „tudo jóia” só que deitado! O número 2 é a letra L do alfabeto dos surdos-mudos e o número 4, ah isso é coisa de contorcionista!


 16-Estudante universitário alemão recebe ajuda financeira para estudar, o Bafög. O salário-família (Kindergeld) pode ser pago até a “criança” completar 28 aninhos de idade!

17-O sistema de notas na Alemanha é diferente e não vai de 0 a 10 como o nosso, mas de 1 a 6 e decrescente. A nota mais baixa é o 6 e a mais alta é o 1.

18-O ano letivo começa em julho/agosto. As férias escolares não são iguais para todo o país.

19- O aniversariante do dia é quem leva o bolo para os colegas de escola/faculdade/trabalho.

20-O feijão com arroz de cada dia para os alemães é a batata. Em todas as variações possíveis e imagináveis! Kartoffelsalat, Folienkartoffel, Kartoffelpuffer, Schupfnudel, Kartoffelsuppe, Kartoffelbrei, Kartoffelgratin, Kartoffelbrot, Kartoffel mit Kartoffelbeilage, usw!

Claro que existem muitas outras coisas interessantes, mas talvez essas sejam as que mais me marcaram. A lista é praticamente infinita, mas no momento vou parando por aqui.

* Professora de Português para Estrangeiros na VHS de Stuttgart,  Licenciada em Letras Português e Alemão pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e Mestre em Filologia Românica pela Eberhard Karls Universität de Tübingen, Alemanha.